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QUANTOS PEDAÇOS VOCÊ TEM?

Trabalho desde os meus dezesseis anos e nessa longa estrada, um dos lemas mais aclamados entre corredores de empresas é o famoso ‘separar a vida profissional da pessoal’.

Bem, não sei quem diabos inventou essa máxima e não gosto muito de apostas. Mas se pusessem um revólver na minha cabeça e me obrigassem, eu teria de dizer: que arrematado imbecil é esse cidadão.

Separar uma pessoa em pedacinhos, quadradinhos, muito bem delineados, onde cada caixinha é usada única exclusivamente em determinado papel, em dado lugar, é uma das maiores falácias do mundo corporativo.

Sério, dá uma olhada honesta para cada uma das fronteiras que compõe você. Agora me aponta qual delas não é tremendamente borrada, obtusa, resolutamente irregular. E depois me informa, como danado, a gente se compartimentaliza desse jeitinho certinho organizacionalmente milimetrado que se solicita em horário comercial.

Então, deixa eu te responder: não dá.

E em algumas situações da vida, essa incompatibilidade de separações grita no vermelho mais berrante da caixinha de colorir. E algumas dessas situações caem no seu colo, não por escolha, mas por condição.

Eu comecei a trabalhar cedo e me tornei mãe cedo. E cedo entendi a inevitável condicionante de ser mulherBARRAmãe nesse mercado de trabalho que te enquadra em termos e depois te julga por eles.

E este julgamento começa desde a atitude, muitas vezes, pseudopaternalista com que se trata uma mulher grávida no meio empresarial – como se carregar um feto, limitasse sua capacidade de raciocínio; até o julgamento que toda mãe com filho pequeno sabe qual é – se você querida mãe-trabalhadora nunca passou por isso, parabéns e me manda teu CEP, quero me mudar.

Esse julgamento, consiste, acho, numa das formas mais cruéis de condicionar a mulher a uma única faceta das mil que ela pode interpretar. Julgá-la por ter a ideia absurda que, mesmo com um filho pequeno em casa, ela tem ainda – vejam que desatino! – o direito a uma vida. Aparar cada aresta que a compõe para que ela caiba, exato, numa caixinha limitada e rosa bebê.

Eu perdi as contas de quantas vezes escutei a pergunta: “Nossa, você trabalha! E seus filhos ficam com quem?”.

Como se, num baralho inteiro, ao tirar uma carta, eu fosse, nesse jogo, impedida de solicitar as demais.

Ok, ok… você pode achar que estou fazendo drama. Afinal, essa é uma pergunta inofensiva. As pessoas são só curiosas, não é mesmo?

Então, deixa eu te contar uma coisinha: sabe quantas vezes essa mesma pergunta foi dirigida ao pai dos meus filhos? Zero. Nenhuma. Niente.

E sabe o porquê? Porque a um homem é permitido ter papéis no plural, sem que eles precisem se colidir ou eclipsar.

Uma mulher, nesta bendita sociedade, tem de escolher. Escolher o que quer ser. E desempenhar este papel como se cada cômodo complexo que ela guarda dentro si, não existisse.

Santa. Puta. Mãe. Devoradora. Profissional. Amante. Esposa.

Você pode ser qualquer uma, mas inevitavelmente, vai encontrar, em alguma esquina do caminho, um olhar – quando só!! – julgador, reprovador, se escolher que pode ser todas elas ou nenhuma.

A gente escuta que mulher é esse bicho que se divide em mil. A gente é plural de nascença. Mas poucas vezes nos permitem, nesta pluralidade, sermos singular.

Há vinte e quatro anos eu luto para ser uma boa profissional. Há dezoito eu luto para ser uma boa mãe. Mas há quarenta eu travo essa batalha, nessa trincheira – muitas vezes silenciosa – de ser mulher. Essa batalha para ser tudo o que eu quiser, sem que nada se perca, sem que nada padeça.

E vivo dentro deste esforço de me lembrar todo dia, que no final de cada dia, a gente tem que se descontruir e reconstruir para sermos mais do que o que alguém disse que poderíamos.

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