março 2019

Desde nova as minhas preferências foram por coisas ditas “masculinas”, como carro e futebol, por exemplo. Sempre me interessei por esses universos que são dominados por meninos, e que na maioria das vezes, não aceitam que intrusas ingressem neles. Mas, como sou teimosa, não deixei de me interessar e de fazer parte desse mundo apenas por ser mulher. Sempre que entrava numa discussão sobre futebol, por exemplo, ouvia comentários: “caraca, mas você conhece mesmo de futebol, né?”, mas nunca ouvi esse comentário quando era um homem que falava sobre o assunto. A vida foi passando e ingressei no mercado de trabalho. No meu primeiro empreso formal, fui vítima de assédio sexual de um funcionário muito antigo da empresa, eu tinha apenas 15 anos, e quando tomei coragem de denunciar (na realidade foi a minha mãe quem fez a denúncia) ninguém de lá acreditou em mim e fui demitida. Sai da empresa e fui trabalhar em uma multinacional com mais de 1500 funcionários. Fiquei encantada com aquela quantidade de pessoas, mas na primeira semana de trabalho já me deparei com situações constrangedoras. Eu tinha apenas 16 anos, nessa empresa trabalhei no departamento de Recursos Humanos, portanto, tinha contato direto com todos os funcionários da

Um dia, eu estava folheando a revista W.I.T.C.H. com minhas amigas vizinhas, lá no início dos anos 2000. Éramos crianças de 10 ou 11 anos, lendo sobre as cinco bruxinhas adolescentes, personagens de uma revista super famosa entre a criançada da época. Para minha surpresa (e alegria), entre elas, estava Taranee: uma personagem negra e muito determinada. Usar óculos também foi uma grata coincidência – e, finalmente, eu poderia escolher uma personagem que se parecia comigo, nas brincadeiras com as amigas. Não há como negar: a representatividade negra na cultura pop e publicidade não é significativa até os anos 2010. Eu fui uma das únicas alunas negras da sala de aula, na universidade; a única em uma redação de rádio e no departamento de criação. É engraçado falar sobre representatividade em ambientes onde se trabalha com comunicação social. E, mais engraçado, é colocar pessoas para falarem com um público tão diverso, sem ter local de fala. É engraçado, porque a maioria da população do Brasil é de mulheres e negros. No Nordeste, então, nem se fala. Avançamos em quase um milênio de sociedade brasileira, mas o racismo e o machismo - velados ou descarados - são realidade em cada canto desse país de meu

Quando Thaisa me pediu para escrever sobre o tema “quando ser mulher foi uma questão na sua vida profissional”, concordamos que seria legal eu trazer o conteúdo sob a ótica de mulher e lésbica. Afinal, são dois grupos minorizados. Qual a influência disso no meu eu profissional? Falando como mulher, e apenas como mulher, sobram casos de manterrupting (quando um homem interrompe constante uma mulher, de maneira desnecessária), mansplaining (quando um homem explica algo óbvio a uma mulher, de forma didática, como se ela não fosse capaz de entender) e bropriating (quando um homem se apropria da mesma ideia já expressa por uma mulher, levando os créditos por ela). Estas são condições que qualquer mulher vai passar. Independentemente de profissão, classe, status, cor, crença. Agora, quando penso na questão sexual, sinto que negativamente quase nunca foi um problema. Na verdade, me proporcionou boas oportunidades enquanto criativa. Tive a felicidade de criar mais de uma campanha contra homofobia e lesbofobia e, em todas elas, minha vivência pesou tanto quanto minha experiência enquanto redatora. Meu lugar de fala foi respeitado e recebi bastante autonomia. Ironicamente, uma dessas campanhas foi premiada e vi um homem, que nada tinha a ver com a ficha, receber méritos e

Trabalho desde os meus dezesseis anos e nessa longa estrada, um dos lemas mais aclamados entre corredores de empresas é o famoso ‘separar a vida profissional da pessoal’. Bem, não sei quem diabos inventou essa máxima e não gosto muito de apostas. Mas se pusessem um revólver na minha cabeça e me obrigassem, eu teria de dizer: que arrematado imbecil é esse cidadão. Separar uma pessoa em pedacinhos, quadradinhos, muito bem delineados, onde cada caixinha é usada única exclusivamente em determinado papel, em dado lugar, é uma das maiores falácias do mundo corporativo. Sério, dá uma olhada honesta para cada uma das fronteiras que compõe você. Agora me aponta qual delas não é tremendamente borrada, obtusa, resolutamente irregular. E depois me informa, como danado, a gente se compartimentaliza desse jeitinho certinho organizacionalmente milimetrado que se solicita em horário comercial. Então, deixa eu te responder: não dá. E em algumas situações da vida, essa incompatibilidade de separações grita no vermelho mais berrante da caixinha de colorir. E algumas dessas situações caem no seu colo, não por escolha, mas por condição. Eu comecei a trabalhar cedo e me tornei mãe cedo. E cedo entendi a inevitável condicionante de ser mulherBARRAmãe nesse mercado de trabalho que te enquadra em

Sororidade foi uma palavra que conheci há pouco tempo, em 2018, quando minha grande amiga Marina estava criando a ideia e definindo o nome projeto LIS (Liberdade, Igualdade, Sororidade). Na época, ela me perguntou o que eu achava do nome Projeto Sororidade e conversamos sobre o significado da palavra, que eu achava que entendia, mas percebi que não. Quando ficou claro para mim que trata-se da “união e aliança entre mulheres, baseada na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum” e que “está fortemente presente no feminismo, sendo definido como um aspecto de dimensão ética, política e prática deste movimento de igualdade entre os gêneros” eu pude perceber o quão alienada estava dentro desta questão. Não por discordar do conceito ou da importância do seu significado, mas por isso ser algo tão natural e implícito para mim, um pensamento automático e não reflexivo de que todos devem ter os mesmos direitos e tratamento, de como não avalio as pessoas pelo seu gênero, raça ou orientação sexual, mas sim por seu caráter e postura diante das situações. Acredito que isso está ligado às minhas origens e valores, onde as mulheres não são apenas a maioria, mas têm personalidade forte, voz